
Só vive feliz quem morre tentando
Somos muitos bons a fazer anúncios, contra todas as possibilidades. E para continuar a evoluir não podemos ser contra nós mesmos.
Assim como o cheiro das castanhas assadas nas ruas de Lisboa confirmam a chegada oficial do inverno, os textos com predições sobre os resultados do festival Cannes Lions são o aviso perfeito para o começar do ano-novo publicitário.
A coisa funciona mais ou menos assim, há 70 anos: milhares de profissionais do marketing, PR, media, tecnologia e até publicitários, na imensa maioria homens, quase todos feios, se reúnem numa vila da Riviera Francesa para medir o tamanho e potência dos seus pénis, digo, cérebros.
Houve um tempo em que eram todos ricos e velhos. Hoje, grande parte está na casa dos vinte. O que transforma o ambiente balnear de Cannes em algo mais próximo de um balneário cheio de testosterona. Há muita bebedeira, um sem números de festas e uma vibe de viagem de finalistas a Benidorm.
O mercado publicitário vem evoluindo para aumentar a paridade de géneros nas funções e nos salários. Mas tem de aumentar muito mais. Talvez quando houver uma folgada maioria feminina o festival venha a se tornar um evento mais equilibrado, mais sereno, mais focado na troca de ideias, de processos e de parâmetros.
Até lá, se me perguntarem se vale a visita ao festival, mesmo com muitas críticas, sempre responderei que vale. Como diria o mesmo para um realizador convidado a assistir in loco à cerimónia dos Óscares. Cada profissão tem a Meca que merece. A minha produziu essa, imperfeita, mas que é a nossa mais completa tradução: fugaz, cheia de brilhos de bijuterias, troféus de ouro, prata e bronze que na verdade são de latão.
Longe de mim cuspir no prato que ainda como. Apenas tenho alguns anos de janela, expressão idiomática para disfarçar a idade. Já não acredito que o prémio, seja qual for, tenha o poder e o direito de explicar o valor que tenho. Em boa verdade, nunca acreditei.
Os Leões que ganhei tiveram impactos limitados no meu percurso (ao menos, não permiti que ele, o percurso, se resumisse a isso). E este é o conselho que deixo aos que não ganharem agora os seus primeiro Leões: continuem a tentar, mas vivam as vossas vidas (pessoais e profissionais) enquanto isto. Vocês são mais do que um palmarés.
Aos que vão ganhar tão preciosas honrarias, deixo os meus parabéns antecipados. Se são meus amigos, é porque mereciam todos. Se não são, também, apenas ficarei menos empolgado. O que humano, não é bonito, mas é explicável.
Inexplicável é tratar mal quem de Cannes sair de malas vazias. É perorar que o nosso país nada vale, que os nossos profissionais para nada servem se o número de Leões ganhos for diminuto. Portugal já sofre com um problema de autoestima em tantas áreas, preferia que a nossa não fosse mais uma delas. Somos muitos bons a fazer anúncios, contra todas as possibilidades. E para continuar a evoluir não podemos ser contra nós mesmos.
Ou como diria o meu Tio Olavo: “Vencer é uma ou outra vez. Tentar é a eternidade”.
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