
Recurso hierárquico, benefícios fiscais e tráfico de influência
O Recurso Hierárquico consubstancia-se numa alegação, que no limite não carece de forma escrita, destinada a alteração de decisão tomada pela Administração.
Começo pela declaração, que não chega a ser de interesses. Conheço os dois advogados constituídos arguidos recentemente na operação denominada Influencer. Declaração adicional: não tive acesso a qualquer documento do processo.
Como é sabido, uma acusação de tráfico de influências procura demonstrar que houve, ou se pretendeu que viesse a existir, um ato praticado por funcionário público em virtude de uma vantagem ou promessa de vantagem. Ora, vem isto a propósito, imagine o Leitor (e, porventura, o caro Colega) da figura do Recurso Hierárquico… É verdade! Figura antiga no procedimento administrativo e fiscal, o Recurso Hierárquico consubstancia-se numa alegação, que no limite não carece de forma escrita, destinada a alteração de decisão tomada pela Administração. Ou seja, através de um Recurso Hierárquico pretende-se que um superior reverta a decisão administrativa tomada pelo subordinado. Isso faz-se, naturalmente, arregimentando uma argumentação que contrarie a decisão anterior, na maioria das vezes de indeferimento de uma pretensão de um particular, e que convença o Diretor-Geral ou o Secretário de Estado que a decisão administrativa tomada anteriormente não é mais correta à luz dos Factos e do Direito aplicável. Em muitos casos, o particular solicita mesmo uma audiência no Ministério competente precisamente para expor as razões pelas quais deveria ter sido tomada uma decisão diferente.
Com esta descrição genérica da figura do Recurso Hierárquico não pretendo associar e confundir o que é uma a iniciativa tendente à tomada de uma decisão por funcionário público assente na Lei, ou uma sua interpretação — ainda que esta se baste em alterar uma tomada de decisão anterior supostamente também assente na Lei — do que é a promessa de vantagem a esse funcionário. Porém, é indiscutível que, se não for descortinável numa determinada situação qual a vantagem atribuída, ou promessa de vantagem prometida, muitos dos atos praticados pelos particulares podem consubstanciar aquilo que no Direito Administrativo e no Direito Fiscal se pode qualificar, materialmente falando, de um mero pedido de revisão ou recurso de decisão administrativa.
Outros casos existem, pelo menos no Direito Fiscal, ramo que conheço melhor, que a decisão administrativa fica sujeita a uma autêntica discricionariedade da Administração. É o caso de alguns benefícios fiscais. Certo é que essa margem de decisão é assente (e bem) em condições que a Lei enumera, condições essas que, contudo, são (e bem também) genéricas o suficiente para enquadrarem diferentes situações, de fusões a trespasses comerciais. Falamos de condições indefinidas como a não distorção de mercado, o fortalecimento da economia, a não prossecução de operações que visem apenas a redução de impostos, entre outras. Ao particular cabe apelar à Administração por esses benefícios, cabendo à Administração a sua decisão. Também aqui encontramos elementos de ponderação, sobretudo em matéria de factualidade e perspetivas de futuro (que podem conter elementos de orientação político-económica) que são impostos à Administração. Uma vez mais, no cotejo para com o tráfico de influência, não sendo descortinável numa determinada situação qual a vantagem atribuída, ou promessa de vantagem prometida, muitos dos atos praticados pela Administração podem consubstanciar aquilo que no Direito Fiscal se pode qualificar como margem discricionária na aplicação de um regime favorável aos Particulares.
Tempos difíceis para a Administração e para os Particulares.
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